terça-feira, 10 de março de 2015

o movimentado Porto do Calhau - o "CAPRICHO"...

Barcos H50PS "Boa Fé" e H13PS "Capricho"

Notícias publicadas no Jornal “O Telegrapho” em Setembro de 1904, sobre o barco do porto do Calhau, “Capricho - H13PS”, construído em 1894, propriedade de José Augusto de Sequeira, abastado proprietário faialense de vinhas e casa no lugar do Calhau - Monte, e que num dia de mau tempo ao navegar para o Faial, rompeu as velas e partiu os mastros, tendo que ser rebocado para o porto de São Mateus.

- O Telegrapho de 26 de Setembro de 1904

“NAUFRAGIO DO «CAPRICHO»
São Matheus, 25.
Hoje foi esta freguesia alarmada com o naufrago do barco «Capricho», que aportou a esta freguesia, completamente desarvorado, rebocado por seis embarcações de pesca, sendo quatro do nosso porto e duas do Guindaste. O barco seguia de manhã do Calhau para o Fayal, e sendo açoitado rijamente, quebraram-se-lhe os apparelhos do «traquete», vendo-se obrigado a arribar sob os impetos de um vento furioso.

N’uma carreira desordenada e de difficil manobra, só com a «vela», não poude alcançar o Calhau, e continuou viagem para São Matheus.

Na sua passagem pelo Guindaste o vento rasgou-lhe o unico panno, deixando os pobres naufragos n’uma situação perigosa.

O desanimo dominou parte da tripulação, que se considerava perdida, e extenuada da fadiga de continuo remar, sem resultado; e o «Capricho» sempre envolvido no furacão afastava-se cada vez mais da costa.

Foi então que do Guindaste avistaram o barco em perigo, arriando dois barcos que atracaram ao «Capricho» não conseguindo mesmo assim apezar do magnifico esforço vencer a furia do vento.
Do porto d’esta freguesia sairam tambem quatro barcos conseguindo então o reboque, não sem difficuldade, até aqui.

No barco seguiam para o Fayal os srs. Jayme Lemos e Luiz Goulart da Costa, tres mulheres d’esta freguesia e o 2.º cabo de caçadores reservista Antonio Pinheiro.

Este pobre rapaz, na occasião em que rebentou a escota da «vela» foi attingido no rosto por um moitão que lhe fez uma grande ferida, quebrando-lhe dois dentes.

Ao nosso porto acudiram centenares de pessoas entre as quaes os srs. Augusto Linhares, Pires Taborda, e José Sequeira.
Julius”

- O Telegrapho de 28 de Setembro de 1904

“CAPRICHO
Recebemos de um nosso assignante o seguinte:
O barco Capricho que no dia 25 do corrente foi forçado a arribar ao porto de S. Matheus e que o seu correspondente d’aquella localidade noticiou no Telegrapho de 26, com a emocionante epigraphe Naufragio (sic) seguiu, hontem 27, d’aquelle porto pelo Guindaste, d’onde trouxe para o Fayal o sr. Augusto Cesar de Sá Linhares e ex.ma Familia; e na tarde do mesmo dia veio trazer a familia do seu proprietario, não tendo seguido no dia seguinte ao do Naufragio, por o tempo ainda estar duvidoso.

Este barco depois da sua arribada, esteve á falla em frente ao seu porto, e não podendo entrar, seguiu para S. Matheus, por ser este o porto mais proximo ao Sul, tendo desde o «Castellete» até ao referido porto sido rebocado por barcos do Guindaste e S. Matheus.”

Foto: ano e autor desconhecido
Crédito da foto: http://portodamadalena.blogspot.pt/2010/12/album-fotografico-porto-do-calhau.html

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

José Fernando Nunes da Costa

José Fernando Nunes da Costa, nascido no Monte a 21 de Fevereiro de 1955, era filho de João Nunes da Costa e de Helena Vieira de Santa Rita. 
Neto paterno de José Nunes da Costa e de Maria Clara e materno de Manuel da Terra Pinheiro e de Maria Helena Terra.
Foi baptizado na igreja paroquial de Nossa Senhora das Candeias a 27 de Fevereiro de 1955, Sendo seu padrinho Manuel Rodrigues Dias e sua madrinha Nossa Senhora de Fátima.
Crismou-se na Candelária a 4 de Março de 1966 e a 21 de Agosto de 1982 casou com Otília Marques Gralha da Costa, na Capela do Palácio Nacional de Queluz (Sintra).
Frequentou dois anos o Seminário Pio XII em São Miguel e seguidamente o Seminário do Padre Damião na Praia da Vitória. Frequentou o Liceu Nacional da Horta onde completou o 7.º ano antigo. Em Coimbra frequentou o 1.º ano de Direito, curso que viria a concluir em Lisboa em 1980. Desempenhou a função de Juiz no Tribunal de Sintra de 1982 a 1984, bem como em Ponte de Sôr.
Faleceu a 2 de Fevereiro de 1985, aos 30 anos de idade.

Para melhor relembrar José Fernando Nunes da Costa, meu tio e meu padrinho de baptismo, partilho uma das “CRÓNICAS DA ILHA MAIOR”, da autoria do amigo José Armando Fonte de Sousa, transmitida na Rádio Pico no ano de 1996:

- Ouvintes da Rádio Pico, as minhas cordiais saudações de uma muito boa tarde. 
Estando há dias a conversar com um familiar dum amigo meu dos tempos de infância, soube que ele possuía e estava disposto a ceder-me a biografia desse amigo, desse companheiro do jogo do arco e do pião, esse companheiro que conheci nos bancos das classes mais adiantadas da escola do ensino básico.
Trata-se do José Fernando Nunes da Costa, que morreu faz 11 anos, vítima de atropelamento em Lisboa. 
Um homem virado para a cultura, o Costa lutou com muitas dificuldades que só Deus e ele as sabem, mas singrou na vida, tirou o curso de direito, foi juiz e quando a vida lhe parecia sorrir as asas da nigérrima morte desfizeram um sonho, enchendo de bruma os largos horizontes de uma inteligência incomparável, que a revelar-se começou já quando criança, desempenhou um papel no primeiro teatro a ser estreado no Salão do Monte, sua Terra Natal. Na primária foi brilhante, no Liceu da Horta, no Seminário e na Universidade.
Quero aqui imortalizar o nome deste Homem que na altura da sua morte era magistrado na Comarca de Ponte Sôr. Para biografia vou ler o editorial do semanário da Ouvidoria da Horta, “VIGÍLIA” de 23 de Fevereiro de 1985.
«Dr. José Fernando Costa
Nasceu no lugar do Monte, freguesia da Candelária, na ilha do Pico, a 21 de Fevereiro de 1955.
Era jovem, dinâmico, apaixonado pela vida e pelas pessoas que formavam o seu mundo. Um mundo cujos horizontes foi sempre alargando num desejo saudável de ser mais.
Após ter feito a Instrução Primária na sua aldeia natal, frequentou durante dois anos o Seminário Pio XII, em Ponta Delgada, donde transitou para o Seminário do Padre Damião, na Praia da Vitória.
Encerrado este último, matriculou-se no Liceu Nacional da Horta onde concluiu o 7.º ano.
Em Coimbra tirou o 1.º da Faculdade de Direito, curso que completou em Lisboa, tendo-se licenciado em 1980 e, dois anos mais tarde, ingressava na Magistratura. Trabalhou no Tribunal de Sintra de 1982 a 1984. Nos últimos meses foi Juiz e Ponte de Sor.
Tinha-se consorciado no Continente e fixado residência em Queluz. Por motivos profissionais obrigado a viver durante a semana fora de casa, viera como habitualmente passar o sábado e o domingo com a Esposa. Às 10 horas saíra. A desconsolada viúva só voltaria a vê-lo na nudez fria da morte. Colheu-o traiçoeiro veículo e os seus 30 anos incompletos não lograram resistir à subsequente intervenção cirúrgica.
O Dr. José Fernando Nunes da Costa deixou gratas recordações aos muitos amigos que tinha nesta cidade e, em especial à paróquia da Matriz a que, como animador das celebrações litúrgicas deu muito do seu entusiasmo juvenil. Dotado duma bela voz e de um poder de persuasão, sabia cativar a assistência e levá-la a participar mais activamente no cântico.
O trato afável que lhe conhecíamos correspondia a uma atitude de interesse pelos outros, nomeadamente quando estavam em causa problemas da sua terra. Fazia parte da Direcção da Casa dos Açores em Lisboa e, por ocasião da crise sísmica de 1980, promoveu com outros amigos algumas festas para angariar fundos a favor dos sinistrados. Nenhum conterrâneo o procurava inutilmente. O Dr. José Fernando procurava sempre dar a ajuda solicitada.
Lá longe continuava a lembrar-se da nossa Paroquia e de «VIGÍLIA» chegando a pedir aos familiares que lhe a enviassem.
Nesta hora de tristeza e de saudade também nós somos do número dos que recordam também nós o choramos. E à esposa, aos Pais, Irmãos e mais familiares dizemos apenas como o poeta:
“Não pode alívios dar quem vive triste, 
Mas é-me doce a mim chorar, se escuto
Alguém também chorar”.»

Eu recordo-o com saudade todas as vezes que aos Açores vinha visitava o seu querido lugar do Monte que muito lhe deve no teatro e não só, porque ouvir falar o José da Helena como era conhecido na terra, era aprender. Até as conversas da tasca se tornavam proveitosas. 
Tenho bem presente na memória, uma das noites em que na tasca do tio Domingos, do mais moço ao mais velho escutavam atentamente em profundo silêncio o José porque onde estava o Homem estava a cultura. Um homem que dignificou a sua Terra e o seu país pelo seu elevado nível de cultura mas também pala sua simplicidade e pelo seu amor à Terra. As férias do José da Helena não eram férias de praia, não tinha nada de parasitismo. Não era um polidor de calçada. Eram passadas em redor de uma figueira e na vindima. Quem passasse por um prédio, não via o estudante mas sim a imagem de um picaroto habituado a lidar com o basalto. A imagem de um Homem que desempenhou um alto cargo ao seu país mas que nunca esqueceu as suas origens e nunca se envergonhou do viver das gentes da sua ilha.
Não resisto a ler-vos aqui um texto do seu grande amigo e colega de estudo Tibério Silva que é também juiz, texto este publicado em “O TELÉGRAFO” de 22 de Fevereiro de 1985 e intitulado:

«Na morte do Fernando Costa
Recebi a notícia da morte do meu amigo José Fernando Nunes da Costa, na manhã de Domingo, dia 4 de Fevereiro de 1985. Não quis acreditar. Mas, o irremediável acontecera, na véspera, no largo do Calvário, em Lisboa. Atropelado. Barbaramente.
Aturdimento. Descrença. Revolta.
Iniciava a sua carreira de Magistrado (que iria ser certamente brilhante e fecunda) na comarca de Ponte de Sôr. Casara há pouco (em Agosto de 1982). Tudo se conjugava para uma vida feliz.
De súbito: a estupefacção, o vácuo, o absurdo.
Os que tiveram o privilégio de privarem com ele eram contagiados pela sua alegria esfusiante, o seu gosto pela vida, a sua dedicação aos outros. Semeava amigos com naturalidade, por todo lado. Todos falavam dele com especial ternura.
Dotado de grande inteligência e extraordinário espírito de iniciativa, esteve sempre na dianteira de tudo o que de válido se fazia, nos meios em que viveu: o seu pequeno querido Monte, no Pico, Pedro Miguel e Horta (Faial), Faculdade de Direito de Lisboa. Fez teatro, colaborou nos jornais da Horta, foi elemento activismo da vida associativa na Faculdade de Direito. Desdobrava-se em actividades e talentos: orfeão da Universidade, Grupo de Cantares Açorianos, colaboração na Revista «Memória de Água Viva». Lutador incansável, defensor intransigente dos estudantes desprotegidos, foi um dos obreiros dos Cursos Nocturnos e os Centros de Apoio Regionais da Faculdade de Direito.
Sempre com um sorriso nos lábios e uma imensa boa vontade, nunca se vergou a dificuldades. Apenas a morte o conseguiu vencer.
Levou, como ninguém, a sua Cruz ao Calvário. E no Calvário encontrou o fim. Ou talvez não, pois que ele respira ainda (e continuará) no meio de nós com o seu enorme coração.
Sem ele para os amigos, nada voltará a ser como dantes. Mas como ele continuaremos a viver.
Saibamos, imitando-o honrar a sua memória.
Paredes de Coura (Minho), Fevereiro de 1985
Tibério da Silva»

“O TELÉGRAFO” de 13 de Fevereiro de 1985, fez-lhe um postal com os seguintes dizeres da autoria do professor e jornalista Ruben Rodrigues.
«Postal
Mais um que parte
Conheci-o jovem, muito jovem ainda.
Abordava-nos, frequentemente, em demanda de livros que lhe recreassem o espírito e fortalecessem o conhecimento.
Era do Pico, vivia, ao tempo, na Pedro Miguel com a família.
Frequentava o liceu e tinha gosto pela coisa jornalística.
Colaborou com certa assiduidade na imprensa local e foi co-responsável pelo jornal estudantil.
Nas férias, ou nos tempos livres, aí estava ele nos trabalhos da lavoura, pois a vida era dura e estudar representava sacrifício para o agregado familiar.
Foi de abalada até os bancos da Universidade.
Formou-se em direito, seguiu a Magistratura e era – dissera-nos o irmão, vindo, no Verão passado, dos EU em viagem de saudade – Juiz algures no Continente.
Morreu vitimado por acidente de viação.
O José da Costa, 30 anos, é um valor que parte muito prematuramente.
Causa dor!
Horta/Fev/85
R.R.»

E vou terminar com um soneto que sua irmã Helena lhe dedicou e que possivelmente vai ter ocasião de recordar se neste momento na vizinha cidade da Horta está em sintonia connosco.
Diz assim:

«Há um mês, querido irmão, que deixou
De te pulsar no peito o coração…
Um mês, que parece séculos, que findou
Nossa alegria, nossa paz, tua afeição!
Elevo, pois, a Deus minha oração, 
A esse Deus-amor que te levou,
P’ra que tenha a tua alma em sua Mão,
Essa Mão que tão cedo te ceifou!
E se esta dor imensa, a nossa pena
De te ter perdido, alma doce e terna
Merece algum valor perante Deus:
Ó meu querido irmão sereno,
Que tenhas começado a Vida Eterna
Quando chegaste ao fim dos dias teus!»

Mário JC Laranjo