Muitos
de vós ainda se lembrarão da carreta funerária pertencente à
Irmandade de Santo António do Monte (ISAM) e que durante largos anos
serviu a população do lugar do Monte.
Muito
antes da construção do Cemitério Municipal do Monte, bem como da
existência das agências funerárias e dos carros funerários, o
transporte dos defuntos do Monte até ao cemitério no centro da
freguesia da Candelária era efetuado a ombros, em padiola ou nos
chamados carros de bois ou de vaca.
No
entanto para dar mais dignidade aos cortejos fúnebres e tornar menos
custoso e oneroso aos sócios da ISAM, bem como à restante população
do Monte esta recém-criada Irmandade mandou construir uma carreta e
um esquife, para o servir no cortejo funerário dos cerca de três
quilómetros que separam o lugar do Monte ao cemitério da
Candelária.
Muitos
se lembrarão ainda que no regresso ao Monte e a troco de umas moedas
a criançada trazia a carreta de volta em brincadeiras e corridas,
por vezes em velocidade excessiva e que pontualmente resultava em
alguns prejuízos para a carreta, bem como algumas esfoladelas e
raspões nos joelhos e braços dos menos incautos.
De
notar também que, sempre que era eleita uma nova mesa administrativa
da ISAM, eram também nomeados dois tumbeiros para o Monte de Baixo e
dois para o Monte de Cima, tumbeiros estes que ficavam encarregues
dos serviços fúnebres dos irmãos da Irmandade.
Do
esquife funerário se calhar já ninguém se lembra. O esquife não é
mais que uma caixa de madeira a imitar um caixão e que teve a
particularidade de ser usado pelos familiares dos defuntos mais
pobres, pois devido aos seus escassos recursos financeiros não
tinham dinheiro para comprar umas toscas tábuas para confecionar os
caixões.
No
esquife seguiam assim os defuntos embrulhados numa mortalha, e na
mortalha desciam à sua ultima morada terrena. O esquife retornava ao
Monte onde aguardava por outros defuntos menos afortunados e
endinheirados.
A
ISAM foi instituída a 3 de agosto de 1902 e no ano de 1905 pensaram
já em construir uma carreta. Nas contas da Irmandade verifica-se a
27 de Junho 1905 uma despesa no valor de 0,305 reis paga à firma
Campos & Andrade, “para
a compra de umas ferragens para uma carreta”.
Na
acta da sessão da mesa administrativa da ISAM, datada de 12 de Maio
de 1907, lê-se o seguinte:
“…o
donativo especial de diversos entregue pelo mezario Francisco Garcia
da Rosa, na importância de 72$530 reis para a construção de uma
carreta e esquife para o serviço de enterramentos dos Irmãos de
esta Irmandade e tambem dos moradores do logar do Monte…”
Esta
acta foi assinada pelos mesários: presidente, Manoel Rodrigues da
Fonte, Manoel Rodrigues Dias, Francisco Garcia da Rosa, José
Francisco da Costa, Thomé Gonçalves de Mattos Junior, Thomaz
Joaquim Laranjo e Manoel Garcia da Rosa.
A
28 de Fevereiro de 1908, surge a despesa de 67,940 reis efectuada na
“construção
de uma carreta e esquife para o serviço funerário da Irmandade e
moradores do lugar do Monte.”
A
30 de Setembro de 1908, a despesa de 6,000 reis aplicada no “custo
de um jogo de rodas compradas a Sr. José Cypriano da Silva Nobriga
para a carreta funerária.”
Esta
carreta e esquife eram guardados nas traseiras da igreja no lado Sul,
em espaço construído para tal fim, conforme o descrito na acta da
ISAM de 25 de Dezembro de 1920:
Aos vinte e cinco
dias de Dezembro, de mil novecentos e vinte, pelas trez horas da
tarde, se reuniu a meza administrativa da Irmandade de Santo Antonio
do Monte, para tratar de assumptos referentes á mesma Irmandade.
Aberta
a sessão, foi proposto que se fizesse um logar apropriado para
guardar a carreta a termos que fique desviada das inclemencias do
tempo; a que sendo discutido e considerado ficou unanimemente
aprovado.
Nesta
mesma data foi admittido como sócio o irmão Jose da Rosa Pereira,
do Monte de Cima, segundo o disposto no Artigo 5.º dos Estatutos em
vigor.
E
como não houvesse mais que tratar, foi encerrada a sessão do que se
lavrou a presente acta, que, depois de lida, todos assinam comigo
Antonio da Rosa Pereira, secretario, que a subscrevi
O
Presidente,
Manoel
Francisco de Medeiros, os Vogaes, Francisco Garcia da Rosa, Antonio
Francisco da Silveira, Jose da Rosa da Silva, Manoel Rodrigues Dias,
Thomé Gonçalves Matos Junior e Antonio da Rosa Pereira.”
Durante
longos anos ali permaneceram abandonados e com o passar do tempo
foram-se deteriorando. Há cerca de cinco anos o esquife e o que
restava da carreta foram retirados desse espaço.
A
carreta foi entregue aos cuidados de Manuel Marcelino Leal que
habilmente e muito competentemente a restaurou, estando, no entanto,
esquecida na sua oficina. O esquife esse parece que caiu mesmo no
esquecimento de todos.
Na
minha modesta opinião e para memória futura, penso ser pertinente
preservar este património que pertence à Irmandade de Santo António
do Monte e que tanto serviu a Comunidade.
Este
património é centenário e faz parte da história do lugar Monte. O
Monte tem uma rica história e muito se devia orgulhar dela, bem como
preservá-la, pois, como alguém disse - “um
povo sem história é um povo sem identidade nem memória, e um povo
sem memória é um povo sem história…”.
Já
agora aproveito e questiono. Será que assim que fosse oportuno, não
seria possível construir no Cemitério Municipal do Monte ou noutro
local um abrigo para guardar e preservar este património?
Questiono
ainda, será que esta bonita e funcional carreta não poderia voltar
a ser usada nos cortejos fúnebres, no percurso que vai desde a
igreja ao actual cemitério?
Parabéns
Monte pelo teu património e tua história!…
Mário
JC Laranjo
Março/2019